sábado, 31 de dezembro de 2011

Fechar 2011 com ritmo

Na última posta, dedicada a Cosey, falou-se aqui de haiku, uma forma poética japonesa muito concisa. Por instantes, imaginemos o que seria uma versão portuguesa de haiku...
Em primeiro lugar, teria uma designação mais de acordo com a nossa cultura brejeira e ensolarada. Haikeku seria, certamente, uma opção popular.
Em segundo lugar, onde os haiku são contemplativos e contidos, esboçando uma paisagem, uma sensação ou um sentimento, os haikeku seriam exuberantes, oscilando entre um lirismo palavroso e um pessimismo raivoso.
Vou tentar exemplificar, aproveitando para homenagear a figura do ano, eleito por unanimidade aqui pelo cardume: José Sócrates Pinto de Sousa. É verdade, ainda não nos saiu da memória...

O figurão do ano
Um haikeku que se preze tentaria, nos estreitos limites da sua forma sintética, traduzir muito mais do que uma ideia elementar. Tentaria meter o Mundo em meia dúzia de palavras:
Sonhei. Sócrates
Bebia Cicuta e Mexia
na Guta.
Enfim, Portugal todo está ali, só é preciso saber ler. Ah! a subtil insinuação da palavra "cicuta". Sugere o "outro" Sócrates e a filosofia, cujo estudo leva tantos jovens a emigrar mas, ao mesmo tempo, o desejo inconfessável de muitos portugueses quando pensam em JSPS. Ui!, o triângulo romântico, a insinuação maldosa e as figuras que simbolizam a decadência nacional: o político manhoso, o empresário vaidoso e o farol da nossa criatividade provinciana.
Alto lá, dirão alguns. Portugal quase todo, mas não todo. Onde está a corrupção, essa  marca que, não sendo só nossa, é muito nossa? E logo se acrescenta um verso, em nome da nossa alma livre, que se está a marimbar para a forma:
Eu
Sonhei.
Sócrates
Bebia Cicuta
Mexia na Guta
Comia da Truta

Não deixa de ser ainda subtil. Note-se que é preciso intuir que não está "robalo" porque não rimava nem entrava na métrica. Esclarecido isso, já conseguimos juntar o pequeno empresário chico-esperto e o omnipresente  intermediário, reforçando ainda a ideia de que ninguém tem as mãos limpas e que não há fumo sem fogo! E, que se lixe, até ganhou uma forma mais sugestiva, quase um pinheirinho de Natal!

Trout in disguise

Ora para os portugueses a poesia é como a escalada da violência no Médio Oriente. Palavra puxa palavra, e logo vêm alguns dizer que o poema em construção é demasiado intelectual, elíptico, críptico até. Que é como o cinema português, onde nunca se consegue entender a história. E uma nova versão, revista e aumentada, começa a circular:
Eu
Sonhei.
Sócrates
Pedia Labuta
Relia a Minuta
Mexia na Guta
Comia da Truta
Perdia a Batuta
Tremia à Bruta
Fugia da Luta
Bebia Cicuta

Esta versão é mais direta, mais narrativa e mais democrática, porque já pode ser compreendida pelas franjas da população menos letradas. Ri-se vingativamente do derrotado nas eleições legislativas de junho de 2011, goza com o seu gosto pelo show e pelo uso do teleponto e conta com satisfação alarve a sua perda de controlo e a sua queda. E quem disse que perdia a forma? Não começa a parecer o tal robalo (na versão interpretada pelos Homens da Luta) ou, ainda melhor, um supositório (na versão Quim Barreiros)?? (Risos! Risos!). Que se dane a poesia, o importante é que a malta se ria, como diriam os três pavores:

Graças a Deus temos a TV do Estado para nos fazer chegar a qualidade e o
bom humor contagiante destas três gradas figuras da nossa  cena mediática.
Bem merecem os salários obesos que lhes pagamos! (Fotomontagem: AC)
Mas a coisa continua. E a juventude das ruas suburbanas, a geração perdida de Massamá, com o seu hip-hop e o seu rap freestyle, vai ficar sem absorver criticamente mais esta tendência do mainstream musical português? Ora! Já estou a ver a versão Sam The Kid (peço desculpa pela linguagem, mas já sabemos como são estes jovens!):
Eu Sonhei, iô!
Sócrates Vivia na Gruta
Sócrates Comia da Truta Enquanto Relia a Minuta, iô!
Sócrates Mexia na Guta, Lambia na Fruta, Perdia a Batuta.
Iô! Iô! Sonhei!
Sócrates Bebia Cicuta, Tremia à Bruta, Fodia na Puta!
Sonhei, iô!
Sócrates Bebia Cicuta, Pedia Labuta, Fugia da Luta!
Fugia da Luta
Sonhei, iô!
Sócrates Bebia Cicuta
Sócrates  Bebia Cicuta, iô!
Bebia Cicuta!
Iô!
Finalmente, o haikeku perdeu a inocência, mais ou menos sofisticada. Talvez passe mesmo a chamar-se kaideku e, nas versões dos jovens das comunidades africanas, kaidekuduroNem é preciso falar da forma, que evoca a arma do Juízo Final.

Sam The Kid
Sam The Kid, de Marvila, pratica o Haiku-Rap no meio
dos bambus. Mais oriental não há!
Que talento. Iô! Só faltava mesmo passar ao fado, mas essa cena é património da humanidade e não se pode mexer.

Um excelente Ano Novo! Em janeiro começa o Ano do Dragão. Até os comemos!
Em meu nome e no do Samuel, aqui fica o clássico "Doping", que não podia ser mais apropriado. Sam The Kid ao lado do falecido Snake.

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